Conheça os cinquentenários ‘reiseiros’ do povoado de Castanhão, na Bahia

Comandados pelo seu Nel, jovens senhores cantam e peregrinam há mais de 50 anos

Por
TAGs: Folia de reis|

Chegamos no Castanhão, povoado que pertence ao município de Ibipitanga, no Sudoeste baiano, por volta das quatro da tarde, depois de nos perdermos em estradas de terra que mais parecem labirintos de Skinner. Para achar a via certa, pedimos ajuda a pessoas que víamos nas poucas casas que encontrávamos pelo caminho. O problema é que as referências (algo como “vira pra cá na hora que você ver o pé de Juazeiro, depois cruza pr’outro lado quando passar pelo umbuzeiro e vai seguindo as árvores...”) nem sempre eram tão claras para sujeitos criados na cidade grande, como nós.

Acho que não morre não (a música dos ‘reiseiros’). Enquanto eu estiver vivo vou tocar e manter a tradição - seu Nel

Bom, mas, enfim, conseguimos chegar. Lá, encontramos o seu Nel, sanfoneiro dos ‘reiseiros’ do Castanhão, em seu bar, conversando com alguns chegados. Eles já esperavam nossa presença, pois havíamos avisado dias antes a Ivonete, agente comunitária que trabalha e mora na região, que passaríamos por lá para vê-los tocando e cantando. Como costumeiramente acontece em localidades como essa, de pessoas simples e com valores verdadeiros, como respeito, amor e alegria, fomos muito bem recebidos. 

Alguns goles e umas pitadas depois de chegarmos, papo vai, papo vem, e eles começaram a falar sobre a peregrinação que fazem de casa a casa no povoado há mais de cinquenta anos, durante a folia dos Reis. E além de tocar na folia, eles também fazem suas próprias músicas no decorrer do ano. A tradição foi passada de pai pra filho, explica o violeiro José Antonio, de 72 anos: “aprendi vendo os mais velhos tocarem... Sempre me interessei, sabe? Olhava um fazendo, depois fazia igual”, diz o músico que participou, ao lado de Brasiliano Francisco, 88, e Francisco dos Santos, 80, de todas as diversas formações que os ‘reiseiros’ tiveram ao longo dos últimos 50 anos. 

O mais velho do grupo, o senhor Brasiliano, que está a dois anos de completar 90 primaveras, lembra que a cantoria, além de comemorar o período em que os três reis magos teriam viajado para presentear o recém-nascido Jesus Cristo, de 24 de dezembro a 6 de janeiro, serve para pedir dinheiro aos moradores: “tem que recolher um pouquinho de cada um para pagar a missa que o padre vai celebrar no dia de Reis”, diz Brasiliano. 

Sim, eles pagam, tradicionalmente, uma quantia para que o padre celebre a missa no dia que fecha a folia de Reis, 6 de janeiro. Perguntei se ele acha esse troço (o tal do padre cobrar pela missa) certo, ao que ele me respondeu com um sorriso meio desconfiado: “quá... Não acho certo, não. Mas fazer o que?”.

Com um bom humor ímpar e um carisma fora do comum, Brasiliano reclama que os jovens não se interessam mais pela música dos ‘reiseiros’: “Agora, os menino novo só quer saber dessas música nova feia... Como é que é mesmo o nome?”. Perguntei se era funk e ele disse balançado a cabeça positivamente: “é esse mesmo, moço! Esse tal de funk”.

Mas nem tudo está perdido, apesar dos jovens do povoado preferirem funk, os filhos de dois dos músicos do grupo tocam na formação atual e ajudam a manter a tradição. “Acho que não morre não (a música dos ‘reiseiros’). Enquanto eu estiver vivo vou tocar e manter a tradição”, afirma com orgulho seu Nel – que só para registro toca em todos os forrós da região.

Que maravilha, seu Nel! O Moozyca ama pessoas como você, que são a verdadeira essência da música <3

Ah, espera um pouco. Se você não viu o vídeo, volta no começo do artigo e assiste. São os reiseiros tocando na casa do seu Nel... Toda enfeitada, com um presépio lindo. Aliás, montar o presépio também é tradição passada de geração em geração. 

Inscreva-se no Moozyca

Leia também

"Fazer arte exige mais do que bater cartão", afirma regente

O universo sertanejo, musical e particular de Elomar

No semiárido cearense, orquestra faz música com instrumentos de barro

Por que nos EUA não tem batucada?

Diásporas musicais africanas no Brasil

Cantoras africanas que quebram paradigmas

Sonoridade de Amy e charme de Piaf: conheça Lara e os Ultraleves

Exposição Bailes do Brasil evidencia as relações entre moda, música e dança

Inscreva-se no Moozyca