Não leia este texto, procure um livro sobre música

Se eu fosse você correria pra uma biblioteca agora

Queria Armando Nogueira narrando um show. O mestre da crônica literária esportiva traria um espetáculo novo para quem gosta de música e ler sobre música

A crônica musical nunca me agradou. O que, em certa medida, me afastou deste segmento no ideológico início da faculdade de jornalismo. Sempre achei os textos musicais ranzinzas e rancorosos. Exatamente como estas três frases anteriores. Me tornei crítico dos críticos. Eu queria o jornalismo literário para música. A narrativa de imagens e percepções. A tradução de ilusões visuais projetadas unicamente na mente única do redator. Tem coisas que só a imaginação vê. Sempre me encheu o saco o raso discurso gostei-do-show-o-show-foi-ruim-lançado-o-novo-cd-dos-caras-com-cançoes-que-desagradam-mas-a-ultima-faixa-do-lado-b-é-boa. E, se tem uma coisa que permite abrir as portas da percepção, essa coisa é a música. Diz aí, Hendrix. Né não, Morrison?

 

Queria Armando Nogueira narrando um show. O mestre da crônica literária esportiva traria um espetáculo novo para quem gosta de música e ler sobre música. A beleza do balé do futebol, a evolução dos personagens na massa que aplaude, chora e canta, os movimentos ágeis e bruscos ditos em quadros lentos e detalhados, facilmente refletiriam a aura metafísica de um festival de rock. Certa vez, há anos, em seu programa de entrevistas na TV, Armando Nogueira convidou Herbert Vianna. Ambos apaixonados por aviação. Ao narrar uma canção, Armando deu outra dimensão aos versos "vou sair pra ver o céu; vou me perder entre as estrelas". A música foi além.

 

Existem pessoas que enxergam cores em notas musicais. Sentem o gosto (paladar mesmo) de acordes dissonantes. Não me atrevo a dizer que cheguei lá, mas acho que vejo e ouço música um pouquinho mais pra lá do que vejo e ouço. Led Zepellin sempre representou uma força desproporcional. Gigantes pisando sobre a Terra, empurrados pela energia descomunal de John Bonham atrás do tripé Plant, Page e Jones. There is no turning back, you fuckers!!! Just go!!! É aquela sensação de se estar na praia com água pelos tornozelos e quando você se dá conta percebe por cima dos seus ombros que uma onda de 30 metros vem arrastando tudo pela frente. Ok, aceito tsunami como sinônimo. Há um bootleg que circulou na net tempos atrás.

Um áudio meio rústico de um concerto do Zepellin em alguma arena nos EUA nos anos 70. A introdução de Bonham para The Song Remains The Same é simplesmente destruidora. É um susto. Um grito de “sai da frente!!!”. Você está parado num determinado lugar. Você não sabe como nem por quê está lá. Você não reage. Você vê aquilo te tomando por completo e pensa: "acabou. Isso vai passar por cima de mim".

 

Sepultura não funciona mais como antigamente porque lá já não estão mais os irmãos Cavalera. Não se trata apenas de gostar ou não do rock pesado. Estou falando da sensação que aquela formação proporciona(va). Igor pesadíssimo ao fundo do palco. Tímido e agressivo. Max com sua presença gutural na cara do público. Em linha reta. Em formação de lança. O canhão do tanque de guerra prestes a explodir. Escoltados pelo soldado Xisto no flanco direito do ataque e pelo soldado Kisser, no esquerdo. Under a pale gray sky we shall arise!!! Assim caiu em minha mente adolescente aquele disco. O filme está pronto. Sempre esteve. Filma aí, Coppola!

 

Dead Kennedys. Um espetáculo de insanidade, verdades, alucinações e revoltas. Como se Jello Biafra fosse um black bloc no centro da cidade arrasando multidões ao vivo para desgosto dos telejornalistas do SPTV. Eu ouço Dead Kennedys e vejo o massacre de Curitiba. Os primeiros anos de Guns N Roses também provocavam este efeito. Aquele show no Ritz de Nova Iorque em 1988 foi bem isso: a cobertura jornalística de alguma revolta urbana. Como descrever então os Titãs completo no palco no fim dos anos 80 e começo dos 90? Preciso muito mais do que este post.

 

Bem, há um livro de música que finalmente me trouxe tudo aquilo que eu queria ler mas nunca havia conseguido encontrar. AC/DC, por Anthony Bozza, o mesmo jornalista nova-iorquino que ajudou Slash a escrever sua autobiografia (que puta frila, hein?). Geralmente não gosto de biografias de músicos. São um tanto pretensiosas. Carregam aquele glamourzinho barato de quem eu tanto me ressentia na época da faculdade. Escrevo sobre ele porque somos tão amigos.... Sabe Galvão Bueno metido a amigo íntimo de Rubinho, Massa, Senna, Fittipaldi, Prost, Mansel, Pace, Fangio, Henry Ford e Enzo Ferrari? Então. Isso. Prefiro as autobiografias mesmo. São definitivamente mais honestas e emocionantes. Que aliás estão na moda. As de Eric Clapton e Keith Richards são as melhores. Para os fãs de GNR, as autobiografias de Duff McKagan, Steven Adler e Slash formam uma trilogia imperdível. E, me desculpem vocês, mas eu tenho Slash autografado. O cumprimentei numa sessão de autógrafos no Whiskey a GoGo, em Los Angeles, em 2007. Chupem essa, críticos de música!

 

Voltando. AC/DC por Bozza, ouso dizer, está pau a pau com o que eu imagino de Armando narrando música. Bozza tem fluência, imaginação e lirismo para descrever a genialidade simplificada dos acordes dos irmãos Young. Linhas pelas quais o leitor queda-se envolvido na beleza libertina do rock. E você vibra, se emociona, se reconhece, aprende, duvida, questiona, segue ávido para a página seguinte. Literatura. O livro tem inteligência diferenciada para entender e contar como raios Brian Johnson consegue cantar daquele jeito por noites e noites, anos a fio, com a mesma cadência e potência. Foi surpreendente ler o rock daquela maneira.

 

De modo que, se eu fosse você, pararia de ler este texto e correria pra biblioteca em busca de algum jornalismo literário musical. Ou em busca de Armando Nogueira e Anthony Bozza. Até porque meu post acaba aqui.

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