A morte do tom: de Schoenberg a David Bowie

Schoenberg quebrou uma tradição harmônica milenar, desde a formulação da harmonia grega

No dodecafonismo de Schoenberg, as 12 notas da escala cromática são tratadas como equivalentes

Se Arnold Schoenberg estivesse vivo, teria 140 anos. E, olhando para a vastidão de sua obra, ninguém se assustaria ao vê-lo andando com sua careca saliente em uma das ruelinhas de Viena. Mas, não! Ele não está vivo. Morreu em Los Angeles, em 1951, muito longe de sua terra natal, a Áustria.

Sem nenhuma dúvida, podemos dizer que o nascimento de Schoenberg marcou profundamente a história da música. Criador do dodecafonismo e um compositor genial, o artista austríaco revolucionou a música do século XX com a sua noção de atonalismo.

Não que a música atonal já não existisse. Composições anteriores, como a Bagatelle sans tonalité, de Franz Liszt (1885), já apontavam para a crise da tonalidade da música erudita européia. Mas foram as peças escritas por Arnold Schoenberg que ajudaram a decantar as tendências renovadoras que surgiam.

No dodecafonismo de Schoenberg, as 12 notas da escala cromática são tratadas como equivalentes, rompendo a noção hierárquica das notas consolidada na música tonal ou modal. A ruptura vanguardista de Schoenberg quebrou uma tradição harmônica milenar, desde a formulação da harmonia grega de Pitágoras, Nicômaco e Platão.

Veja abaixo a primeira composição marcante de Schoenberg, Verklärte Nacht 1899 (Noite Iluminada), interpretada por “The Emerson Quartet”. A obra possui grande influência do pós-romantismo. Essa fase ainda não exprime o seu atonalismo acentuado.  

A seguir, Sechs Kleine Klavierstücke (1911) (Seis pequenas peças de piano), que demonstra mais claramente a sua pegada atonal.

Abaixo, “Um Sobrevivente de Varsóvia”, Op. 46 (1947), ópera que remete ao tema do judaísmo. Interpretado pela Orquesta Filarmónica de la Ciudad de Birmingham.

Morre o homem e não a ideia

O legado de Schoenberg para a música é realmente imensurável. Ao longo da história, muitos músicos foram influenciados pela sua genialidade, tanto no uso do atonalismo e do dodecafonismo, quanto no estudo da harmonia sob uma ótica pouco convencional. Como exemplo, temos Ornette Coleman, David Bowie e Arrigo Barnabé, apenas para citar alguns nomes. Talvez, o que o grande compositor austríaco nos tenha deixado de regalo seja a sua inquietude para pensar e executar a música. E isso muda tudo.

O Free de Ornette Coleman

Schoenberg morreria em 1951, quando, naquela década, estaria nascendo o Free Jazz. Um dos mais importantes e polêmicos compositores desse estilo musical foi Ornette Coleman, com composições marcadas pela falta de centro tonal, ruptura com a harmonia clássica, improvisos livres e a sobreposição de solos de diferenciados instrumentos. Inspirado em Charlie Parker, Coleman começou a tocar saxofone alto aos 14 anos e o tenor aos 16. Infelizmente, o desenvolvimento dessa fase não foi documentado.

Ouça abaixo a primeira parte do álbum “Free Jazz”, gravado por Coleman em 1960, em que fizeram parte Don Cherry e Freddie Hubbard no trompete, Eric Dolphy no clarinete baixo, Charlie Haden e Scott LaFaro no contrabaixo e Billy Higgins ou Ed Blackwell na bateria.

David Bowie

O cantor britânico David Bowie completou 50 anos de carreira no ano passado. Aos 67 anos, o inglês aproveitou a ocasião para lançar um novo single, "Sue (Or In A Season Of Crime)", uma obscura peça de quase oito minutos com um estilo de jazz atonal, que já havia marcado a sua longa trajetória. A música faz parte do álbum "Nothing Has Changed", que demonstra a grande diversidade musical do músico ao longo de sua carreira. Nesse aspecto, a obra de Bowie foi bastante marcada pela genialidade do pianista norte-americano Mike Garson, que deu um toque vanguardista ao som do britânico, com seus solos jazzísticos de piano, muitas vezes, com frases atonais.

Arrigo Barnabé

No Brasil, um dos grandes expoentes da música atonal é Arrigo Barnabé. O músico estourou com o álbum Clara Crocodilo, em 1980, que contou com a participação da Banda Sabor de Veneno. O álbum é considerado pela crítica especializada como o marco inicial da chamada Vanguarda Paulista e um dos mais importantes discos experimentais lançados no Brasil no século XX. O traço marcante do LP é a mistura de elementos da música erudita modernista, como o serialismo e o atonalismo, aliados a letras que debatiam os problemas da vida nas metrópoles.

Segundo artigo “O serialismo e o atonalismo livre aportam na MPB”,  de André Cavazotti, a partir do lançamento de Clara Crocodilo, Arrigo Barnabé passou a ser considerado pela imprensa como a maior novidade surgida na música brasileira desde a Tropicália: “(…) Arrigo Barnabé surgiu em 1979 como o personagem mais polêmico da música brasileira desde a Tropicália, movimento liderado por Caetano Veloso e Gilberto Gil (…)”.

A seguir, veja a interpretação de Clara Crocodilo por Arrigo Barnabé e a Orquestra à Base de Sopro de Curitiba:

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