Tropical Diáspora: a difusão da música afro-americana em Berlim dos anos 90

DJ brasileiro acompanhou a entrada pujante da música dos trópicos na capital alemã

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Com a queda do muro, Berlim tornou-se o centro da nova subcultura da Europa

Diáspora é a dispersão de uma população de sua terra natal (da palavra grega "διασπορά" - dispersão). Recentemente, estudiosos distinguem diferentes tipos de diáspora, com base em suas causas, como migrações, imperialismo, comércio ou trabalho. Ou pelo tipo de coerência social dentro da comunidade da diáspora e os seus laços com as terras ancestrais. 

Algumas comunidades da diáspora mantém fortes laços políticos com sua terra natal. Outras qualidades que podem ser típicas de muitas diásporas são pensamentos de retorno. As relações com outras comunidades em uma diáspora ou a dificuldade de assimilação ou integração completa no país hóspede.

DJ Garrincha (Foto: Lgndary Crc)Com a Tropical Diáspora, tento fazer reflexões sobre o fenômeno diaspórico na música. Esta reflexão nos mostra que toda a música que selecionamos em nossos eventos e todos os outros movimentos ligados ao termo tropical vêm originalmente da África. Todos os estilos musicais vêm diretamente do continente Africano ou foi reinventado em uma diáspora africana e em outros locais, como a América do Sul, o Caribe ou  a América do Norte.

Atualmente, nós experimentamos o choque ou o encontro de todas estas diásporas na Europa, onde as pessoas de todo o mundo podem se reunir e compartilhar suas influências musicais com outras pessoas vindas de outras diásporas.

Vir para Berlim na década de 1990 foi como entrar em um laboratório com a transformação ocorrendo em qualquer canto e afetando todos os aspectos da vida quotidiana.

O resultado desse caldeirão, que chamo de Tropical Diaspora, é um destino, ao que parece, não sem um senso de ironia, mas acontece em Berlim no YAAM, o primeiro lugar na capital alemã (na verdade antes de ser denominada capital depois da segunda guerra mundial) onde a diáspora africana em Berlim passa a existir.

A sigla YAAM significa “Youth African Art Mark” e ainda hoje é reconhecidamente o ponto de encontro da comunidade da África na cidade. Durante os anos 1990 várias outras diásporas se instalaram na cidade, a mais antiga era a turca e as mais recentes da América Latina e do Caribe.

Um de meus objetivos com a Tropical Diáspora é exatamente sair do gueto de colónias x ou y e tentar juntar todos no intento de criar algo novo, por exemplo, com um de nossos evento chamado Forrumbia - juntando dois ritmos latino-americanos em um só palco: o Forró e a Cumbia. Duas bandas locais berlinenses formadas, em sua maioria, por estrangeiros com alguns alemães.

Nas festas, depois dos concertos, o objetivo é ter um DJ com as diásporas musicais brasileiras, trazendo música africana, latino-americana e hispânica. O foco principal do evento Tropical Diáspora é a música ao vivo, reafirmando sempre o valor do músico e da música de boa qualidade. Em complemento, entra o DJ com seus vinis como ferramenta de expressão da boa música.


Origem da Tropical Diaspora em Berlim

Na década de 1990, troquei a selva de pedras tropical de São Paulo por outra selva de concreto, no Norte da Europa: a cidade de Berlim. Um imigrante, um estrangeiro, um rapaz latino-americano sem dinheiro no bolso em outra diáspora. Fugindo da situação econômica do Brasil, entre outros problemas, decidi compartilhar minha paixão pelo patrimônio musical brasileiro como Dj Garrincha.

No início de 1990, o mapa político do mundo viu profundas mudanças, principalmente na Europa e na Alemanha, especificamente na cidade uma vez dividida, Berlim, que era o epicentro do mundo. O Muro de Berlim não somente repartia esta cidade, mas também foi a manifestação mais óbvia da queda de um sistema político após a Segunda Guerra Mundial. Logo após a queda do muro, todo o bloco oriental começou a cambalear. Finalmente, entrou em colapso e caiu.

Após a reunificação, muitos alemães ocidentais, junto a pessoas de todo o mundo, vieram para Berlim. Bares sem licença e, portanto ilegais, apareciam em cada esquina e desapareciam ou mudavam para um lugar diferente dentro de poucos dias. A cena de arte com galerias recém-inauguradas surgiu em casas ocupadas. Vir para Berlim na década de 1990 foi como entrar em um laboratório com a transformação, ocorrendo em qualquer canto e afetando todos os aspectos da vida quotidiana. Em suma, Berlim tornou-se o centro da nova subcultura Europea.

Freitags Bar, um dos vários bares não licenciados no centro de BerlimNesse espírito de renovação e de génese de um novo movimento, nasceu o que eu chamo de “Latin American Way”, “o jeito latino-americano” da subcultura berlinense. Entre os primeiros lugares onde esta cena ainda estava para nascer, brotava o legendário “Freitag´s Bar” (Bar de sexta-feira), um dos vários bares não licenciados no centro da antiga parte oriental da cidade, no bairro de Mitte, hoje completamente gentrificado e transformado em um Bairro exclusivo da bourgeoisie berlinense. 

Para mim, este lugar encarna perfeitamente o espírito da época. Somente pessoas que conheciam o lugar o encontravam e sabiam que viriam a um lugar cavernoso, sombrio, no porão de um edifício da época pré Segunda Guerra Mundial. Todas as noites, havia o risco de que o bar fosse fechado  pela polícia, o que fazia de cada evento não só um pouco aventureiro, mas muito mais precioso. Graças ao carinho do anfitrião, música e bebidas da América do Sul davam o tom. Os DJs não tinham nome e a música não era mainstream. A Caipirinha ainda tinha o encanto da novidade na Europa e a Cachaça era uma raridade e muito cara. Recordo que uma garrafa de Pitú, a única marca encontrada naqueles tempos, custava naquela época algo como 50 euros.

Mas a experiência pessoal mais impressionante para mim naquele porão foi em 1996, após o show de uma banda muito conhecida na época, em uma fábrica de cerveja convertida em uma casa de shows, que existe até hoje, a Kultur Brauerei, no bairro de Prenzlauer Berg. Para nossa surpresa, a banda em questão apareceu no Bar e não era nada menos nada mais que Chico Science & Nação Zumbi.  Comparo sempre o laboratório Berlim dos anos 1990 com a Recife do movimento Mangue Beat, liderado por Chico Science. E esses dois laboratórios se encontraram em Berlim em um simples porão de uma casa ocupada.

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