“Tá cheio de cara que se diz punk, mas é um tremendo machista”

Lâmina, banda de punk rock formada por meninas, fala sobre machismo na música e caras escrotos

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Lâmina, Banda de punk rock paulistana.

O machismo na música é uma coisa tão velha que, pasmem, para justificar o fato de não existirem compositoras de música clássica de sucesso, a “comunidade científica” chegou a afirmar que o gênero feminino não era dotado de capacidade para pensar de forma abstrata e, por isso, era inapto para a música. E a galera (os 'bolsomitos' da época) acreditava nisso, de verdade. O que significa que as mulheres cresciam pensando que nunca conseguiriam ser grandes compositoras. Digamos, que “nem passou” por aquelas mentes brilhantes que a explicação óbvia para que mulheres não aparecessem entre os nomes de sucesso da música clássica era que (adivinhem) a visão machista não permitia que mulheres fizessem “coisas de homens”, como música.

Todas as lutas são feitas com a cara e a coragem das mulheres que vão atrás, nadando contra a maré.

Ok... paramos, respiramos e rezamos pra que DUZENTOS ANOS DEPOIS, no século 21, discriminação por gênero, pelo menos na música, não existisse mais. Mas, fazendo apenas uma análise bem superficial, notamos que isso ainda acontece, mesmo que não na mesma intensidade, né amig@s? As mulheres agora podem ser compositoras e tocar, mas, para os conservadores, apenas determinados estilos de música.

As pessoas dizem que mulheres não podem cantar Rap ou Punk Rock, por exemplo, porque que são considerados “ritmos de homem”. E o estranho é que estes dois gêneros musicais contam com uma característica em comum: são intrinsecamente ligados a um forte discurso (às vezes, pretensamente, como no caso dos machistas conservadores) de esquerda.

Para dissecar mais este assunto, fomos conversar com a Lâmina – banda de Punk Rock formada por mulheres, da cidade de São Paulo. O grupo, que tem Thais Regina na guitarra, Dailla Facchini no baixo, Vanessa Lee na batera e Pryka nos vocais, gravou três músicas no início de 2016 pelo projeto Converse Rubber Tracks; o Moozyca conversou com elas sobre machismo na música para marcar o Dia da Mulher, se liga:

Como as pessoas reagem ao fato da Lâmina ser uma banda de punk rock formada só por meninas?
Hoje em dia não é mais tão anormal (notem bem, é menos pior) ter uma banda de meninas... Antigamente era uma surpresa pra todo mundo - fora do cenário musical punk rock - quando nós falamos que tínhamos uma banda e que ela era só de meninas.  Acho que as pessoas, de um modo geral, estão desenraizando certos preconceitos.

A sociedade tem caminhado (a passos de tartaruga, claro) para um mundo cada vez mais livre, o que, é claro, é reflexo da militância.

Vocês começaram a tocar juntas em 2003. O que mudou de lá pra cá neste sentido?
Quando começamos tinha muito festival apenas de mulheres... Acho que, nessa época, deu-se um primeiro passo para que as bandas se empoderassem. A cena rock feminista teve um boom naquele momento, que trouxe uma cultura não só de música, mas de estudo sobre a situação da mulher brasileira. Muitas das mulheres que faziam parte eram apenas meninas, e hoje estão com seus 25/30 anos - o que é sensacional porque cada uma levou o que aprendeu pra vida profissional, familiar e amorosa.

Mas só que, na época, e ainda hoje, tá cheio de cara que se diz punk, paga de ideologia de liberdade e anarquia, mas, na verdade, é um tremendo machista – daqueles que passam a mão na menina quando ela tá dando um mosh. Fora as atitudes do dia a dia. Hipocrisia sem tamanho.

Qual o principal desafio de ser mulher e estar nos palcos tentando passar sua mensagem? 
Respeito. Se o publico é masculino, a gente vê o cochicho, a dúvida se as mulheres que estão ali no palco sabem mesmo fazer uma música boa. Ou pior, algum cara que não vai ter respeito nenhum e vai falar alguma baixaria do tipo “gostosa”... E daí pra baixo. 

Conta um pouco mais pra gente sobre o show que vai rolar hoje, 8/3. Na descrição do evento, vocês dizem que "metade do valor arrecadado com a bilheteria será revertido para a campanha 'Todas por Rosenilda', uma vítima do machismo que teve uma mão decepada e na outra dedos mutilados ao se defender de uma tentativa de estupro". Por que resolveram reverter para essa causa? 
Além de nos reunirmos com a banda InVenus em força ao Dia da Mulher, achamos que fazer isso era algo muito significativo. Mesmo que as pessoas não consigam ir ao show, é um jeito de mostrar o caso e, de repente, alguém poder ajudar virtualmente na campanha de financiamento coletivo.

Como vocês veem a atuação do poder público para combater o machismo? 
O poder público não faz nada pela mulher, nem para ajudar na causa feminista. Todas as lutas são feitas com a cara e a coragem das mulheres que vão atrás, nadando contra a maré. Historicamente, a mulher sofreu uma inquisição interminável e, com muito sangue, pouco a pouco foi conquistando alguns direitos... O governo finge dar assistência, mas prefere uma sociedade mal informada e reproduzindo o mais do mesmo. No Brasil, a mulher sofre diariamente abusos físicos e psicológicos vindos de todas as direções e poucas conseguem tirar forças pra lutar contra isso. Seja por medo, seja por falta de informação... É onde entra a coragem das feministas que vão e lutam até o fim.

Por fim, vocês tem algum recado para os machistas de plantão?
O machismo é um problema que passa de geração em geração. As pessoas aprendem a ser machistas... Pra quem não sabe o que é feminismo o meu recado é: “seja inteligente e vá estudar sobre o assunto, não reproduza o que o sistema quer”.

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Pra terminar nosso artigo do Dia da Mulher, nada mais adequado que a música 8 de Março, da Lâmina, concordam? Então, vamos de som:


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