Erivan contou ao Moozyca como o Rap o levou do Castelo Encantado à Finlândia

Rapper e produtor musical, ele tem um estúdio lá em Fortaleza, onde já gravou quase quarenta discos em nove anos

Foto de @jhonatadias

Direto da comunidade do Castelo Encantado, periferia de Fortaleza, o rapper e produtor musical Erivan Produtos do Morro trouxe à tona o talento de diversos novos artistas locais. Muitos deles foram gravados de graça, ou a preços módicos, pois ele acha importante abrir espaço também pra quem não tem grana também. Erivan gravou uma rapaziada que está presa lá no Centro Educacional Dom Bosco, no Patativa e no Cecal, fez conexões e participou de canções com uma galera da Finlândia, Guiné-Bissau, Cabo Verde, Alemanha e EUA. Tudo por meio da música.

Em 2006, montei minha primeira base, com um microfone que custou R$ 15 e um computador daqueles da cabeçona... Aí comecei a me gravar e lançar meu trampo solo. Daí eu lancei o último cd do Conscientes do Sistema, mas já como produtor. Aí foi que os caras viram minha produção.

Após tocar no primeiro grupo de Rap com banda do Ceará, o Conscientes do Sistema, ele partiu para carreira solo e, como a grana estava curta, comprou um microfone de R$ 15 e um computador para iniciar as gravações, em 2006. Mas seu talento e força de vontade fizeram o trampo se desenvolver mais rápido que ele imaginava. Hoje o cara já tem 36 discos produzidos.

A gente foi bolar uma ideia com ele pra conhecer melhor sua história. Se liga!

Quais são as principais mensagens que você quer passar na sua letra?

Quero passar positividade, uma mensagem de esperança para os caras que estão em situações difíceis. Quero dizer que eles têm condições de se recuperar... Acredite na sua vida, tá ligado? Não desista da sua correria!

Uma música que o cara possa curtir, balançar… E que eu possa passar a mensagem, que é o mais importante. Não quero mais tacar o pau em ninguém, cara, fiz shows em que a polícia foi lá pra me pegar, tá ligado? Abuso policial, mesmo. Não quero mais fazer músicas com palavrões, estou querendo mesmo é  chegar nas crianças, nos coroas, nos mais velhos... Quero que todo mundo escute o meu som; não quero uma coisa muito doida, não. Quero que a geral escute.

Como foi tocar Hip Hop com banda no Ceará, quando ninguém fazia isso?

A banda que eu participava, a Conscientes do Sistema, foi a primeira banda de Hip Hop do Ceará. A gente gravou nosso primeiro CD nosso com banda entre 1997 e 1998. Fomos muito criticados por que a gente misturava Rap com música nordestina. Rap com baião, embolada, entre outros ritmos. Cara, fomos muito criticados mesmo, ainda mais quando conseguimos uma verba da Lei Rouanet para pra gravar o CD. A galera dizia que, por que a gente cantava rap, não podia se beneficiar dessa lei... Aí outros diziam que a gente não fazia rap, porque misturava embolada com baião. Isso que o Rapadura faz hoje, tá entendendo?

A gente já fazia isso em 1996, 1997, 1998... Tá entendendo? Fomos pra São Paulo, pro programa "Yo", da MTV, que era apresentado pelo Thaíde. Lá, ele rolou nosso clipe, que foi dirigido pelo Karim Aïnouz, o mesmo que dirigiu o filme "Madame Satã", tá ligado? Foi uma história marcante...

E como começou a carreira solo?

Quando sai dessa banda continuei minha carreira, tá entendendo? Em 2006, montei minha primeira base, com um microfone que custou R$ 15 e um computador daqueles da cabeçona... Aí comecei a me gravar e lançar meu trampo solo. Daí eu lancei o último cd do Conscientes do Sistema, mas já como produtor. Aí foi que os caras viram  minha produção. Comecei a produzir VM na Rima, Neguinho do Rap, RDF... Aí pronto, virou  uma montanha de gente. Tenho 36 discos produzidos. Tem artista que já gravou três discos comigo, tipo o Mano Ála, por exemplo.

E nesse meio tempo, fui lançando também meus trampos solos... Em 2009, lancei o álbum "A Vida é Muito Boa, Meu Chapa", que tem a participação dos rappers Kris Konebou (Pródigos) e RV Causap (São Paulo)... Também tem um grupo da França participando, o Shaolyn Gen Zu... Foi uma conexão maluca, São Paulo-Fortaleza-França, hahaha.

Em 2012, lancei o "Rap Nacional", esse álbum já é mais pesado, com participação dos caras Facção Central, do Dum-Dum e do Moysés. Eles foram fazer um show lá em Fortaleza, ficaram sabendo de mim, subiram lá no meu barraco, no Castelo Encantado, e conheceram minhas produções; acharam massa e a gente gravou. Além disso, fiz participação com os caras do Pacificadores, de Brasília, que subiram lá no morro do Castelo Encantado também... E vários outros.

Agora, nesse ano, vou lançar um novo álbum, com participação com o Mister Lee G, que é um jamaicano que mora no Brooklyn, em Nova Iorque. A gente fez duas canções pro meu novo álbum.. Good Vibe Flow e Represent For My City

Se liga no som do Erivan com o Mister Lee G, Good Vibe Flow:

Quem toca hoje na sua banda?

O batera é o Herverson Santos, no baixo tem o Danilo Guilherme, na guitarra quem manda é David Fernandes, o Lenny é o DJ e eu mando as rimas e o beat box. A produção é da Flaviene Vasconcelos.

Erivan Sales | Produtos do Morro

Como é o trampo da sua gravadora, a “Produtos do Morro - Produções de Rap”?

É a primeira gravadora de Rap do Estado do Ceará, que fica lá na comunidade do Castelo Encantado. Ela existe há nove anos, com trinta e seis CDs lançados. Cara, já gravei africano, a galera de Guiné-Bissau, Cabo Verde... Fiz a conexão com os caras do Brooklin, em Nova Iorque... Com os caras da Finlândia, onde conheci uma nova galera, toquei na Alemanha também. Tô gravando a galera todinha, fazendo o papel de produtor e também de músico.

Aqui no meu estúdio gravo desde a galera da igreja até os gangstars, sem preconceitos. Gravo muita gente de graça porque vejo que não tem condições. Alguma hora vamos colocar o Rap cearense pra ser ouvido no Brasil inteiro. Tem muito grupo bom lá cara, eu mesmo gravei uma coletânea agora chamada “Feito no Ceara”, com quarenta grupos de Rap. É um Mp3zão gigante, uma coletânea... Os grupos vieram, e cada um cantou uma música, eu gravei e produzi o álbum.

Me fala um pouco sobre mais sobre a coletânea… Como surgiu a ideia e quem mais ta envolvido?

A ideia surgiu do Mano Ála Rapper, que foi o cara que chegou na minha e falou assim: “Erivan, vamos lançar uma coletânea? A gente tá sem grana, mas vamos pedir pros grupos ajudar. Cada grupo contribui com trinta reais, pra pode juntar o dinheiro e no final fazer a cópia dos CDs e distribuir pra galera. Ficou vinte e cinco cópias pra cada um, ou seja, vendendo seis CDs a cinco conto cada um, ele já tira os trinta que ele investiu... Cada MC foi um colaborador, um patrocinador… Porque nós não temos apoio de governo, de ninguém… Todas as músicas foram gravadas no meu estúdio, "Produtos do Morro - Produções de Rap”.

Você também é músico, né?

Sim, o cara chega e canta o Rap dele pra mim, aí eu faço a base, na pegada da letra... Vejo a nota que o cara tá cantando, coloco os bumbos, os tecladinhos, pianos, baixo, synth, colagens, scratches, gravação, mixagens e masterização é tudo eu que faço. Mas quando tem que gravar solo de guitarra, sanfona, um instrumento de sopro, chamo alguém.

Cara, mas voltando um pouco, como você foi para na Finlândia?

Pra falar a verdade tava de saco cheio de Fortaleza, saca? Muita panelinha, produtor rolando sempre a mesma banda, às vezes a mesma banda tocando duas vezes no mesmo evento, Aí se você não participa de uma panela você não toca. Se você falar uma verdade, você fica sem tocar também, meu irmão. E tem outra, ali em Fortaleza, já toquei em todos os lugares. Tava a fim de fazer uma conexão com uma galera de fora mesmo... Conhecer novos produtores, nova galera que pudesse, sei lá, acrescentar algo ao meu trabalho, à minha história, entendeu?

Aí, um certo dia, um amigo levou uma Finlandesa pra ver meu show, tava tocando numa casa chamada Órbita, lá em Fortaleza... Mano, ela ficou louca, curtiu pra caralho e disse pra mim, quando fomos comprar umas bebidas no postinho ao lado da casa, "gostei muito de você, quando você tiver a fim de conhecer a Finlândia, pode ir na minha casa".

Daí, cara, aproveitei que ela me chamou, juntei dinheiro, fiquei sem beber, sem fazer comédia no meio do mundo... Fui levando minha vida em prol dessa viagem e consegui ir pra Finlândia. Lá gravei as músicas Bote fé na Vida e No Racismo que tem participação do Hossni Boudali, de Marrocos. A produção foi do Leonardo Batalla, de Moçambique. Fiz uma história interessante lá... Fui pra Alemanha também, lá foi bacana.

Escute No Racismom gravada na Finlândia, em parceria com o marroquino Hossni Boudali:

Mano, você tava me contando que gravou dentro da cadeia, como foi essa história?

É assim... Tem vários professores nessas unidades. Professor de música, capoeira, português, grafite e Rap também. Quem dava aula de Rap era o Joel, que cantava comigo na Conscientes do Sistema. O Joel tava dando aula pros caras aprenderem a fazer a rima. E a segunda parte ia ser a gravação... Aí fui lá ajudar.

Os caras eram tudo menor de idade, saca? Que fica nas unidades, daí, tipo, eu ia com computador, microfone, mochila e pedestal. Quando chegava lá, capturava a voz dos caras. Geralmente, eles cantavam em cima das batidas gringas. Porque lá o professor mostra umas cinquenta batidas num pen drive, saca? E eles escolhem uma e fazem o rap com ela.

Aí, eu pego e crio uma batida no mesmo BPM, tá ligado? Pronto, o cara já tinha a produção dele. Gravada na cadeia e produzida lá no morro. Mas também tinha uns manos que podiam sair pra gravar no estúdio... Os caras chegavam lá de viatura da polícia. E os policiais ficavam na porta, esperando eles gravarem...

O que você sentiu fazendo esse trampo com o molecada que tá lá?

Achei muito importante, porque os caras tiveram a oportunidade de se expressar. Eles são artistas, cara! Os caras cantam Rap, têm muito talento, mas têm a situação que fez eles pararem lá, velho... Muitas vezes, via uns conhecidos da minha quebrada lá dentro. E gravei eles lá.

Teve uma situação foda uma vez, quando a gente foi gravar, e passou uma senhora passou vendendo geladinho pros funcionários no corredor. Eu comprei um e ofereci pro cara, mas ele disse que não podia comer porque tava preso. Veja isso, cara, o sorvete era só pros funcionários então um agente liberou dizendo agradeça o rap e o professor. Daí eu disse pra ele: "aproveita, que é só hoje".

Eu aprendi muita coisa e queria que tivessem mais ideias, que não ficasse só num CD... Tinha que fazer um movimento, fazer bastante cópias pra distribuir e investir nos caras que estão lá...

Eu gravei um cara, em Fortaleza, chamado Neguinho do Rap. Ele foi condenado há 34 anos de cadeia e passou mais de doze preso. O Neguinho aprendeu a ler e a escrever dentro da cadeia, tá entendendo? Na hora do julgamento, ele pediu uma sala de aula. O juiz colocou a sala de aula lá, deu o direito do cara... Montaram até um estúdiozinho pra ele gravar um rap. E o Dr. Bento disse pra ele "quando você sair, se você sair mesmo na limpeza, nós vamos ajudar você a gravar seu CD". Dito e feito. O Neguinho saiu outra pessoa e logo me convenceu a fazer todas as batidas dele. É um ex-detento do Estado do Ceará, que conseguiu sair da cadeia depois de muitos anos preso e gravar um disco de Rap.

Da hora. Pra terminar, o que você curte ouvir?

Músicas nordestinas, regionais... Jackson do Pandeiro, Luiz Gonzaga, além de vários outros artistas do Nordeste. No Rap, gosto muito de Snoop Dogg, de Tupac também… Do Dr Dre, gosto principalmente das produções. Gosto das rimas do Mano Brown, dou valor às colocações do Eduardo, ex-Facção Central, dou valor também ao som do Marcelo D2, à mistura que ele faz...

Quer o escutar o disco "Rap Nacional", de 2012, completo? Então dá o play:

Ah, pera, antes de terminar, ouve essa, vai:

Pra contratar shows do Erivan, ou produzir lá no Castelo Encantado, ligue (85) 99653-3432 | Flaviene Vasconcelos.

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