Com o pé aqui, a alma no groove e a cabeça no espaço. É dessa forma que a banda Marco Nalesso e a Fundação se posiciona no mundo. Diante de uma série de reflexões filosóficas, sociais, estéticas e (por que não?) energéticas, o grupo busca expandir a experiência musical por meio da desconstrução das bases e improvisações livres.
E é nessa onda que aparece o quarto álbum do grupo encabeçado pelo multi-instrumentista Marco Nalesso. O som é psicodélico e visceral ao mesmo tempo e leva o ouvinte a um estado de hipnose por meio dos ciclos “mântricos”. E isso não torna o groove menos pesado! Com acordes funkeados e efeitos atmosféricos, a trupe une funk, rock, hip-hop e jazz ao samba, maracatu, capoeira e ritmos latinos.
Harmonia do Caos é Mandelbrot mixado com Coltrane numa tarde futura em Marte, influenciando o hoje (passado) regado a cerveja belga de fermentação espontânea.
Nalesso é pesquisador musical, compositor e apaixonado pelo inusitado e por ficção científica. E a Fundação, banda que acompanha o guitarrista, funciona como um laboratório de combinações rítmicas, que explora novas sonoridades, complementando ritmos estrangeiros com brasileiros.
O Moozyca entrevistou a banda, formada por Marco Nalesso (Guitarra e sampler), Luís Feli Lucena (Baixo e vocalizações), Rafael Cab (Bateria) e Yuri Braga (Percussão). Confira e ouça.
O projeto Seuva mescla samples e uma proposta futurista com a tradição afro-brasileira. De onde surgiu essa química?
Marco Nalesso - De muitas de nossas viagens lisérgicas e rituais experimentais nesse universo, tudo ecoa e reverbera pensamentos. Todos os sons são composições próprias, usamos apenas pedais e vozes na produção do disco.
Rafael Cab – Tudo é possibilidade para nossa afirmação. Nos alimentamos de tudo que gere mais potência em nós, de um limite a outro de cada espectro de atuação que vivemos existe muita informação, muito material, o lance é entender o "como" da utilização disso tudo.
Por que o disco se chama Seuva?
Cab - Estamos contando uma história e nela o primeiro momento é a travessia de uma selva – em todas as possibilidades. Quando paramos para ouvir nossas pré-produções percebemos que existia uma cronologia muito clara: três momentos sonoros bem distintos. Dessa percepção começamos a conversar sobre o que aquelas músicas nos mostrava - estímulos, sensações, lugares, pessoas - imaginamos uma selva como ambiente e um personagem percebendo-se nela e desenvolvendo-se até sair do outro lado. Essa trilogia - Seuva, Dezerto e Organysmo - conta uma única história, uma trilha sonora fantástica pra imaginação humana.
Rob - Também é a selva particular de cada microcosmo, a seu-va, o céu vão... dentro de si.
Nalesso - Seuva vem de você criar sua própria selva, sua própria zona de harmonia e de pensamentos além do que estamos acostumados a conviver e viver nesse planeta. Tudo pode ser diferente se quisermos. Tudo é livre e aberto a novas possibilidades.
Qual a relação da música com a ficção científica?
Cab - As artes e a ciência se encontram nesse lugar da potência criadora, da invenção. Eu particularmente admiro literatura de ficção científica, acredito que em alguns textos desse gênero existem grandes chaves que possibilitam a travessia da humanidade.
Nalesso - A criação e a Fundação.
As músicas soam como mantra em determinados momentos... Esse é um propósito espiritual?
Cab - É um propósito de encontro de espíritos-livres. Mental, físico, espiritual.
Nalesso - Espiritual para conectar a alma às vibrações e situações que podemos chegar além do nosso plano, procuramos isso na vida em que vivemos e consequentemente isso influencia e reflete nas nossas obras e criações.
Rob - São ciclos, estão em tudo. Ressoam e somam.
“Chegada”, a música de abertura do disco trabalha em um nível psicológico bastante profundo, por meio de elementos sensoriais diversos. Essa seria a chegada a um transe? Uma espécie de abertura ritual?
Nalesso - Exato, é a chegada na Seuva, abertura dos caminhos e possibilidades! "Mundo vivo, ouvintes pensantes". Tudo é vivo e se manifesta de alguma maneira em todos os portais.
“Oxossi” é uma macumba e cai numa espécie de free jazz. O processo de composição é aberto a improvisos?
Nalesso - Totalmente, acreditamos que toda composição vem do improviso, abrimos caminhos para a criação.
A capoeira de Angola é uma alegoria em “Rasteira Bem Dada”?
Nalesso - Também, a Angola em si é uma grande influência para nosso trabalho, todo tipo de arte feita naquelas terras foram essenciais para evolução de muitos.
Em o “Gavião do Mar”, as vozes são um elemento bem importante do ápice musical, assim como em outras músicas. Qual a importância da voz?
Nalesso - A voz realmente entra como um instrumento em todas as músicas, o coro é forte e cria a textura que estávamos buscando.
O que é a “harmonia do Caos”? Seria esse o tempero do free jazz?
Cab - É o encontro das (des)organizações autônomas. Existe o caos e ele em si é harmônico. E existe o ser humano com a capacidade de (des)organizar isso de acordo com sua vontade.
Rob - é Mandelbrot mixado com Coltrane numa tarde futura em Marte, influenciando o hoje (passado) regado a cerveja belga de fermentação espontânea.
Como surgiu a banda Marco Nalesso e a Fundação?
Rafael Cab - Em 2007 encontrei com o Marco no Estúdio Synco em Santo André, ele estava gravando umas guitarras pra um álbum instrumental (Fogo no Céu), junto aos produtores Rodrigo Rossi e Petreca. Parei ali pra sacar e fiquei encantado, ainda não existia a banda, apenas o álbum em produção. Convidei-me pra quando o Marco fosse montar uma banda pra tocar aqueles sons. Alguns meses depois veio o chamado – o Marco tinha sido convidado pra apresentar ao vivo o disco no Teatro X, na Bela Vista, e aí armou a banda. Começou com um trio - Marco (guita e samples), Chocão (contrabaixo elétrico) e eu (bateria). Na procura de um percussionista, encontramos o Yuri. M. Nalesso & The Big Bang Band foi o primeiro nome.
Marco Nalesso – Lembro-me de pegar um notebook pra fazer as primeiras gravações. Tinha pequenas ideias, mas sentia uma grande vontade de explorar o que ainda não havia explorado na minha mente. E assim estamos aqui até hoje, explorando os caminhos secretos da vida.