“Sou mais ter uma ideia e experimentar”, conta produtor francês iZem

Artista europeu lançou recentemente o disco "Hafa" e fará apresentação em São Paulo em 12 de março

O som que toca no Bandcamp do meu computador é algo que soa sem fronteiras: africano, latino, europeu... A imagem da capa do disco – um corpo vestido com um manto branco sobre o mar – torna a experiência auditiva ainda mais mística. Essa foi a impressão sinestésica de ouvir o disco Hafa, do produtor Jérémie Moussaid Kerouanton, mais conhecido como iZem. Lançado em meados de 2015, o disco vem agradando produtores e DJs ao redor do mundo. Ouça abaixo.

O Marrocos é o país do meu pai e tenho família lá. Passar tempo lá sempre foi uma experiência muito forte para mim, influenciou muito a minha personalidade como músico e pessoa.

Hafa veio para coroar a lista de três EPs do músico franco-marroquino, que vive transitando entre Europa, Norte da África e América Latina. O nome do álbum foi inspirado no tradicional Café Hafa, no Marrocos, que influenciou artistas no século 20, como Jack Kerouac, Paul Bowles, Tahar Ben Jelloun e Matisse.

O Moozyca entrevistou iZem, que falou sobre influências musicais, produção e relação com o Brasil. O trabalho do músico poderá ser conferido em São Paulo na festa Moodz, neste sábado, 12 de março.

De onde surgiu a inspiração para o disco Hafa?

As influências do Hafa têm muito de soul music e de outros gêneros que ouço, como música brasileira, obviamente, o hip hop, toda a produção de beat com produção eletrônica, algumas influências de afrobeat e africanas e também tudo que vêm dos amigos que participaram do disco. Por exemplo, na segunda música, chamada “Water”, tem muita influência do cantor nigeriano Segun Akano. Ocorre também com a faixa “Wind, Sand and Stars”, que eu gravei com o Eko. Isso tudo completou o Hafa, além da minha história pessoal, das viagens que fiz e dos lugares onde vivi.

O álbum traz uma atmosfera mística, exótica e de mantra. Como foi o processo criativo para mesclar diversos estilos?

Trabalho de manhã, quando acordo. Sento ao computador e começo a tocar guitarra e busco ideias. Junto pedaços de coisas que já havia gravado com outras coisas novas. Trabalho pedaço por pedaço, um pouco a cada dia. Não faço muitas horas de produção seguidas. Sou mais ter uma ideia e experimentar. Então, no dia seguinte, ouço novamente e vejo se gostei ou se quero incrementar, adicionar novos elementos. Posso chamar um amigo para tocar e assim vai... É um processo dividido por etapas, não algo contínuo. No disco Hafa, foram vários meses desse processo, acordando, produzindo e vendo o que soava bem, num processo muito lento e meticuloso.

Como foi a sua experiência no Café Hafa, que é referência para diversos artistas no mundo?

Água Viva faz parte do disco Krishnanda, de Pedro Sorongo, e é uma grande paixão minha. Por acaso, foi o Tahira que trouxe esse disco do Brasil e fiquei apaixonado por ele.

O Café Hafa é muito especial. Ele fica na cidade de Tânger, no Marrocos, no Norte da África. É um café que está na montanha na frente do mar – entre o Mediterrâneo, o Atlântico e o Sul da Europa, mais especificamente o Gibraltar. É um lugar onde se pode passar muitas horas vendo a paisagem do mar e do continente. A cidade de Tânger foi onde muitos artistas dos anos 1930 e 1940 gostavam de passar semanas, meses... Ela sempre foi – mas agora não é mais – um lugar em que a boemia artística da Europa, dos Estados Unidos e de outros continentes passavam tempo. Tem esse ar místico, decadente, cosmopolita e misterioso. Além disso, o Marrocos é o país do meu pai e tenho família lá. Passar tempo lá sempre foi uma experiência muito forte para mim, influenciou muito a minha personalidade como músico e pessoa. E Hafa simboliza esse ponto médio, o encontro dos caminhos. A foto de capa do disco foi feita ao lado do café, com a mesma paisagem que se vê por ali.

No disco, você traz uma versão de Água Viva, do brasileiro Pedro Sorongo, com a voz de Nina Miranda. O mais te encanta nesta música?

Água Viva faz parte do disco Krishnanda, de Pedro Sorongo, e é uma grande paixão minha. Por acaso, foi o Tahira que trouxe esse disco do Brasil e fiquei apaixonado por ele. Eu gosto da música pelo fato de não soar como nada parecido, desde a percussão, a voz, as percussões até as letras. É tudo muito particular e muito genuíno, muito engraçado também. O que mais me chamou a atenção são as linhas de sopros e a melodia, que ficam gravadas na cabeça. Fiquei muito obcecado por essa música. Fiz um arranjo artesanal e meio psicodélico, tudo muito simples. Tinha um beat e pensei que pudesse encaixar na música. Então enviei para Nina Miranda – já havíamos combinado de fazer algo juntos antes – e ela adorou e ficamos de gravar. Essa foi a música que mais demorei no disco.

Qual a sua relação com o Brasil e a música brasileira?

A relação com a música brasileira é muito forte, porque, quando tinha 15 anos, comecei a tocar violão, e a Bossa Nova era uma referência. Já conhecia João Gilberto e Baden Powell. Não gostava tanto, pois não é uma música muito chamativa para um adolescente e eu também não entendia português. Mas eu já gostava da riqueza harmônica e rítmica do toque do violão. Eu gostava muito de hip hop e soul e descobri aos vinte e poucos anos que existia o soul brasileiro, como Jorge Bem e Tim Maia. Isso foi uma grande descoberta, porque era uma música familiar e num idioma mais parecido com o meu, que é o francês. É mais fácil para a gente se conectar emocionalmente com o português do que com o inglês. Então, descobri que havia uma cena enorme de composição e literária, desde que passei a reparar nas letras. Vi que era muito rico e muito amplo, em termos de quantidade de artistas, músicos e estilos. Então pesquisei por muitos anos. Depois, ao morar na Espanha, toquei numa banda com brasileiros e aprendi muito com eles. Comecei a estudar as músicas de Jorge Bem e Caetano, descobri os acordes e estive cada vez mais interessado na história da música. Aconteceu também que um dos caras com quem eu tocava convidou para passar um tempo em Recife, onde morei uns seis meses. Lá, toquei numa banda, aprendi o português e descobri a cultura pernambucana. Eu era DJ e sempre achei muitas coisas interessantes para tocar em termos de música brasileira, que encaixavam em muitos contextos, em momentos para dançar, ouvir e pensar.

É mais fácil para a gente se conectar emocionalmente com o português do que com o inglês. 

O que é mais importante para você como produtor?

Acho que o mais importante é que eu curta a música. E que, quando estou fazendo a música, esteja experimentando. Produzindo, devo sentir aquela vibração que eu quero que os outros sintam também. Quando vejo que estou dançando e movendo o corpo, vejo que estou gostando do resultado. É questão também de a música ser muito emocionante, quando chega ao refrão ou muda o acorde... Eu preciso sentir a emoção para depois terminar o trabalho e compartilhar aquela emoção.

Você vende o seu disco na internet. Você acredita que este modelo de negócios é sustentável?

Essa é a primeira vez que lanço um álbum inteiro e vendo online. Estou vendo que há gente que compra online. Não é uma coisa que gera muitos ganhos financeiros, mas ajuda a diluir os gastos da gravação. E é uma satisfação pessoal, por ver que algumas pessoas gostam a ponto de comprar. Vejo isso como um sinal de aprovação e isso dá muita vontade de seguir fazendo. Tenho tido boas experiências com o Bandcamp. Vejo também que as pessoas ouvem muito pelo Spotfy e por outros canais de streaming, como o iTunes.

Quantos trabalhos você já produziu até hoje? Quais são os próximos trabalhos que deseja fazer?

Até hoje, já produzi um álbum inteiro e dois EPs, além de um EP de edits (remixes). O Hafa vai ser relançado, talvez em junho. Agora estamos fazendo uma versão ao vivo. Por isso, estamos juntando músicos para fazer um versão em Lisboa. E com esses músicos já quero desenvolver um outro disco, que vai ser num formato de banda. Também tenho um EP mais voltado para pistas, que vou lançar nos próximos meses também.

Você trabalha em diferentes frentes, como DJ, apresentador de rádio, produtor. Como costuma se dividir para essas tarefas?

Diria que cada tarefa que eu faço está relacionada com a outra e tudo fica no mesmo entorno, na mesma bolha musical. E as coisas que pesquiso como DJ e para os meus programas de rádio me ajudam a compor música e achar novas fontes de inspiração. Está tudo muito relacionado, então não fica complicado passar de uma tarefa a outra.

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