"Abrimos ainda mais o leque para novos estilos", conta guitarrista do Iconili

Banda mineira mescla estilos como jazz, soul, funk, afrobeat, carimbó e cúmbia; show será no Sesc Vila Mariana nesta sexta

O termo afrobeat vem ganhando cada vez mais espaço na cena musical, depois da grande explosão do Fela Kuti no mundo. Mas, no Brasil, nenhum estilo acaba sendo tão puro (ainda bem) - nem mesmo os gêneros já bastante híbridos, como o próprio afrobeat, que sincretiza funk e jazz norte-americanos com ritmos africanos bem percussivos, como o yorubá. Em terras tupiniquins, o cruzamento é total.

Não temos uma identidade muito definida. Aos poucos, percebemos que a grande identidade do Iconili, e o que faz as pessoas admirarem nosso som, é justamente nossa liberdade para utilizar qualquer influência e caminhar em qualquer direção.

Dessa evolução quase que darwiniana da música, surge o Iconili, grupo instrumental de Minas Gerais. A trupe de 12 músicos faz um som que mistura timbres imersos em atmosfera de transe, com sopros, guitarras, teclado e uma cozinha bem temperada. O resultado é o cruzamento de ritmos e culturas, como jazz, ethio, rock, samba, carimbó e cúmbia...

O Moozyca entrevistou Rafael Mandacaru Orlandi, guitarrista responsável por manter o swing sempre em alta. "Gostaria de dizer que a banda está totalmente na ativa e com vários shows nos próximos meses. Faço o convite a todos para ver ao vivo, pois é outra experiência totalmente diferente de ouvir o disco", afirma. Nesta sexta-feira (23/10), a banda se apresenta no Sesc Vila Mariana, na Zona Sul de São Paulo. Lá apresentarão o último disco: Piacó (Ouça aqui). Confira abaixo a entrevista na íntegra.

Moozyca: Vocês lançaram recentemente o disco Piacó. Como foi o processo de composição e produção?

Rafael Mandacaru Orlandi: O processo de produção foi totalmente diferente do "Tupi Novo Mundo" e do primeiro disco. Os rascunhos das músicas foram compostos dentro de estúdio em Belo Horizonte e, quando conseguimos reunir várias ideias para completar um disco, organizamos um retiro rural em André do Mato Dentro (MG), para refinar com todos os integrantes presentes. Após esse período, voltamos para BH e começamos a apresentar as composições novas nos shows aos poucos, vendo como funcionavam e quais ainda precisavam ser trabalhadas. Por fim, quando decidimos que tudo estava pronto, viajamos novamente para outro retiro rural - dessa vez para a gravação definitiva do disco. Levamos todo o equipamento e montamos um estúdio provisório em Entre Rios de Minas [cidade próxima a BH] com o intuito de convivermos juntos e ter tempo integral para trabalhar nas gravações. 

O que é Piacó e de onde surgiu o conceito do álbum?

O nome Piacó veio de várias conversas que tivemos com os moradores em André do Mato Dentro. É o nome de uma serra na região da Gandarela, que abriga tocas pré-históricas de tatus gigantes. Essa serra também está na região de interesse das mineradoras e corre risco constante de desaparecer da noite para o dia e virar uma grande cratera barrenta. 

O som do Iconili traz um sincretismo livre e experimental. Como se formou a identidade da banda?

Piacó é o nome de uma serra na região da Gandarela, que abriga tocas pré-históricas de tatus gigantes. Essa serra também está na região de interesse das mineradoras e corre risco constante de desaparecer

Na verdade, não temos uma identidade muito definida. Aos poucos, percebemos que a grande identidade do Iconili, e o que faz as pessoas admirarem nosso som, é justamente nossa liberdade para utilizar qualquer influência e caminhar em qualquer direção. Na sua pergunta mesmo fica clara a dificuldade em categorizar nosso som. Somos 12 pessoas que tem poder para influenciar nas composições e nos rumos da banda. Também são 12 pessoas completamente diferentes que colocam um pouco da sua personalidade e seus gostos em cada composição. O resultado final é uma salada com todo tipo de mistura que procuramos ao máximo fazer que soe bem no final.

As músicas do Iconili possuem diversos momentos. Algumas partes mais dançantes com latinidade e pegada africana, outras com ciclos psicodélicos que levam o ouvinte ao transe. Como casar todos esses momentos de forma harmônica?

Na verdade, tudo isso é um processo simples, pois mesmo partes dançantes tendem a levar as pessoas a um estado de transe. O que procuramos é que cada momento da música converse entre si para criar um sentido, por mais diverso que seja. Ainda que haja uma interrupção em um momento dançante, o transe e a ideia geral estão ali ainda. É semelhante a uma história que é contada e um personagem passa por diversos momentos distintos. É impressionante como vemos nos shows as pessoas dançando mesmo em momentos que são mais introspectivos. 

 

Quais são as suas principais influências da banda?

Essa é sempre uma pergunta difícil de responder, pois não temos uma influência pontual do Iconili. Cada integrante tem sua própria influência e usa isso para compor. Quando tentamos pontuar alguns artistas, sempre fica alguma influência de alguém fora da lista. Na banda, ouvimos de tudo, jazz, soul, funk, afrobeat, rock, metal, reggae, brega, carimbó, cúmbia, mpb... De cada estilo tentamos aprender alguma coisa para usar nas músicas.

Ser uma banda independente no Brasil realmente é uma dificuldade enorme. Agora, ser uma banda independente, instrumental e ainda com 12 integrantes é praticamente uma missão suicida

Como ocorre o processo de composição da banda e como isso é assimilado pelos 12 integrantes?

O Iconili tem como sua maior característica o formato horizontal onde não existe um líder. Todos podem opinar, sugerir músicas e ideias. As composições refletem exatamente essa forma que trabalhamos. Alguém chega com uma ideia e começamos a tocar improvisadamente sobre ela até que começa a tomar a forma de uma composição fixa. Em diversos momentos, paramos no ensaio para discutir alguma modificação que ficaria interessante ou alguém já chega com essa ideia pensada. Essa forma de compor e arranjar torna todo o processo mais natural e reflete melhor nossa liberdade dentro da banda.

Em 2013, vocês lançaram o EP “Tupi Novo Mundo”, com cinco faixas bastante criativas. O que mudou de lá para cá 

Várias coisas mudaram desde o EP. Tanto na formação da banda quanto na forma de trabalharmos. Na época do EP, também procuramos usar mais a referência do afrobeat, o que já não é tão claro no Piacó. Abrimos o leque ainda mais para novos estilos e ideias. Mas a maior diferença realmente é a maturação da nossa convivência. Por não trabalharmos com músicos contratados, nos permitimos passar muito tempo juntos e nos conhecermos cada vez mais. Isso é fundamental, pois cria uma segurança nas execuções e um entrosamento que transcende o universo da composição. 

Há uma massificação muito grande da indústria cultural, que, muitas vezes, dificulta o desenvolvimento de novas bandas com propostas diferentes no país. Como é ser uma banda independente e fazer um som diferenciado no Brasil?

Ser uma banda independente no Brasil realmente é uma dificuldade enorme. Agora, ser uma banda independente, instrumental e ainda com 12 integrantes é praticamente uma missão suicida [risos]. Mas, ainda assim, trabalhamos muitas vezes em situações difíceis para fazer acontecer nosso projeto. Não buscamos um mercado específico, pois gostaríamos que todos tivessem a chance de conhecer nosso som. Mas estamos sempre em busca de um meio de trabalhar de forma que possa manter a banda em rumo e sempre fazendo shows. Aos poucos, vemos que as pessoas estão mais abertas para novas ideias e para os projetos independentes. E isso abre portas que muitas vezes nos surpreende. 

Vocês estão na ativa desde 2007 em BH com diferentes formações. Como avaliam a cena musical mineira do momento?

Em Belo Horizonte temos uma cena musical riquíssima. Temos muitas bandas incríveis ativas na cidade e a cada dia surgem novos projetos maravilhosos. Várias pessoas de outros estados se surpreendem quando vêm pra cá e se deparam com a fauna musical e a força autoral e independente daqui. Desde o surgimento do Iconili, só temos visto esse universo se expandir e, cada vez mais, surgem festivais na cidade que priorizam as bandas que trabalham com música própria.

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