"Sold out! go home, no tickets available!"

Estava certo que conseguiria um ingresso pro FF, mas não foi tão fácil assim

Por

A maioria dos sem-ingresso foi embora assim que os portões se abriram. Um cara passou por mim e disse

2007. Los Angeles. O show começava às 21h00. Os portões abririam às 20h00. Eu cheguei na porta do Music Box pra ver Foo Fighters às 18h00. Sem ingresso, evidentemente. Estava certo que eu conseguiria um, mas esqueci que a casa tem capacidade para 1.5 mil pessoas, no máximo. O suficiente para esgotar a bilheteria em poucas horas, tratando-se da casa e da banda. Mal pisei na portaria principal e um segurança de 2.85m esbaforiu na minha cara "sold out! go home, no tickets available! Give up!".

Não dei um passo pra frente nem pra trás nem pros lados. Fiquei inconformado com tamanha burrice minha. Ouvir aquilo foi mais que água fria: foi chute de bico fino dois dedos abaixo do joelho. Saí caminhando pela Hollywood Blvd, imaginando o que fazer. Andei apenas duas quadras. No segundo quarteirão, um pensamento me ocorreu. "Quer saber, vou voltar e ver o que acontece". Mas o lado direito do cérebro, mais conservador, retrucou rancorosamente. "Acontece o que? Acabou, acabou. Vai pra casa e chega de aventuras bestas". Joguei uma moeda pra cima e o lado esquerdo ganhou. Não que eu precisasse da moeda, pois o lado esquerdo tem minha predileção sempre.

Voltei. Uma pequena fila se formava. Alguns zumbis circulavam aleatoriamente, como eu. Os mais ousados tentavam negociar ingressos na fila. Eu não tive essa coragem. Mas também não tive coragem de fazer nada além de ficar plantado na esquina. Recorri ao meu anjo da guarda, meu mentor.

"Então mentor, o que faço?"
"Resista, fique ai'"
"Aqui? Parado? Fazendo o que?"
"Nada, catso. Fique aí e confie na Providência"

Fiquei. A maioria dos sem-ingresso foi embora assim que os portões se abriram. Um cara passou por mim e disse "alguma coisa vai acontecer". E sumiu. Gostei do sinal divino. Começou a esfriar. O ar gelado do outono angeleno arrepiou os pelos dos meus braços. Recostei-me sob a marquise ao lado da porta principal, bem ao lado de outro cabeça-dura como eu. Um terceiro maníaco juntou-se a nos. Ficamos um olhando pra cara do outro, tipo "o que fazemos agora?".

Deu 21h00, o show não começou. "Ah mentor, ta brincando comigo, né?". Puxamos assunto, falamos de musica, de Los Angeles. Sem querer iniciamos uma espécie de fila dos sem-ingresso, pois outras pessoas estacionaram depois de nós. Um japonês chegou dizendo "estou sentindo que algo vai acontecer". Fiquei intrigado e abri o jogo com meu mentor.

"Mentor, me desculpe se for pedir muito. Mas faz uma conferência aí em cima com outros anjos da guarda. Inventem um plano. Iluminem a cabeça do gerente da merda desse lugar. Façam-no vender ingressos extra."

"Calma, estamos fazendo o possível. Aguente firme e não saia dai'".

21h30, nada. Minha ultima refeição havia sido às 14h00. Estava com fome. Pensei em comprar alguma coisa, mas não arrisquei perder o lugar na fila dos desesperados. O show não começou. Bom sinal: enquanto o show não começar, fico aqui. Criei raízes. Ninguém mais entrou no Music Box. Quem tinha de entrar, já o havia feito.

"E aí, mentor?"
"Não saia daí'"
"Não vou sair, pode deixar"

22h00 nenhum sinal, exceto o fato de o show não ter começado. Aí eu entendi que as entidades lá dos planos astrais estava segurando a banda, enquanto outra falange de anjos iluminava a cabeça do diretor. Aí eu conclui: eu vou entrar nesse show!

Acontece que os ponteiros bateram 22h30 e nada! Nem show, nem ingresso, nem milagre, nem comida. Eu estava a um passo de me retirar, mas não poderia trair meu mentor, jamais. Palavra pra mim vale muito. De repente, lá de dentro, saiu um gordinho com cara de manager, a julgar pelo jeito de andar, pela camisa polo e pelo jeito com o qual nos olhou. Quando nos alcançou, apontou para o carinha que estava ao meu lado e "you're the winner, get in!". O moleque não acreditou, entrou correndo. Fiquei boquiaberto. Agora eu era o primeiro da fila.

"Mentor, por favor... me ajuda... me ajuda..."

O gordinho parou, deu meia volta e disse: "você, quer ver o show? 20 dólares e você tá dentro. Vai rápido!"

"Obrigado mentor!!!! Muito obrigado!!! Obrigado falangistas aí em cima!!!! Muito obrigado"

Entrei gargalhando. Inacreditável. Não acreditava no que acontecia. Emocionei-me. Foi demais. Me senti mais uma vez um privilegiado. Um abençoado. Um sortudo. Qualquer outro adjetivo. Comprei um copo de cerveja, entrei na pista. Alguém que estava na fila me encontrou, tão sorridente como eu. "Cara, você acredita nisso? Conseguimos!!!" Deu cinco minutos e o show começou. Um dos melhores da minha vida.

Inscreva-se no Moozyca

Leia também
Notice: Array to string conversion in /home/u377719025/domains/moozyca.com/public_html/pages/artigo.php on line 95

Notice: Array to string conversion in /home/u377719025/domains/moozyca.com/public_html/pages/artigo.php on line 98

De cachorra à poderosa: o vestuário do funk na periferia do Rio

Erivan contou ao Moozyca como o Rap o levou do Castelo Encantado à Finlândia

Quer ouvir Cúmbia? Não vá para Colômbia!

Só a vaia consagra

Gilberto Gil e Caetano Veloso negam pedido de boicote à Israel feito por Roger Waters

Morre Ornette Coleman, o Einstein do jazz norte-americano

O baile jamaicano-tupiniquim da OBMJ

Ditadura feelings: Cert, da ConeCrew, é preso no palco por expressar sua opinião em MG


Inscreva-se no Moozyca